Schwanke: técnico-tampão do vôlei foi campeão após quase amputar a mão

2022-05-28 21:51:10 By : Ms. Jessie Liu

Em nome da causa olímpica, Schwanke não acompanhou o crescimento da filha e correu risco de amputação da mão

Eu assisti o Brasil ganhar a final da Olimpíada de 1992 num hotel quando viajava com a seleção juvenil. Naquele dia, falei para mim mesmo: "Em quatro anos estarei neste time".

Jogar uma Olimpíada seria a coroação de uma carreira iniciada de um jeito inusitado. Eu era um grandão desengonçado na pré-adolescência. De tão descoordenado, quebrei a perna num lance tosco no futebol mesmo jogando de goleiro. Bati canela com canela numa saída do gol. Gordinho, ganhei ainda mais peso. No dia de tirar o gesso, o médico sugeriu praticar esporte.

Me aproveitei da altura e comecei no basquete e voleibol. Eu tinha 12 anos e ganhei força e coordenação muito rápido. Escolhi focar no voleibol e logo aquele grandão desengonçado era o melhor do colégio e de Brusque (SC), cidade em que nasci. Em dois anos eu estava fora de casa defendendo os times mais fortes do momento em Santa Catarina, Sadia e Frigorífico Chapecó.

Joguei muito o clássico do salame.

Eu tinha aqueles estirões de adolescente, crescia coisa de 8 centímetros por ano. Alto e muito técnico, entrei para seleção brasileira infantojuvenil e juvenil. Estava na Argentina em 1993, jogando a semifinal do Mundial da categoria quando senti a primeira lesão no joelho esquerdo da carreira. Disputei a final no sacrifício e fomos campeões.

Nesta hora, não passou pela minha cabeça desistir. Eu não sou este tipo de pessoa. Até porque minha família tinha problemas financeiros. Com 12 anos, eu trabalhava de office boy num despachante. Meu pai não tinha dinheiro para me dar uma joelheira.

Depois da cirurgia, peguei firme na recuperação e voltei aos treinos. Fui revelação em 1994 e virei titular da seleção principal. Estava voando, mas apareceu um problema: comecei a ter perda de sensibilidade da mão direita.

Exames constataram o afilamento nas minhas artérias. Era uma questão nova na medicina esportiva, ninguém sabia onde podia chegar. Até que num jogo pela seleção eu saí de quadra com minha mão metade roxa. Principalmente meus dedos.

Fui direto para o hospital e enfiaram contraste, uma substância radiológica, por um cateter. Era para eu sentir calor na mão. Não senti nada. Ouvi o médico falar: "Vai ter que operar".

Voltei a mim quando a cirurgia tinha acabado. A artéria ficou tão fina que o sangue não passava mais e meu arco palmar estava trombosado. Houve risco de amputação. Precisaram fazer uma limpeza para a circulação voltar. Fiquei cinco meses esperando o médico dizer que eu podia retornar às quadras.

Recebi autorização e faltava um ano para Olimpíada, meu sonho de vida. Mas risco de amputação é coisa séria. Fiquei entre o medo e a determinação. Por um lado, ninguém sabia as consequências de uma trombose nesta parte da mão por impacto de manchete e de bloqueio. Ao mesmo tempo, a seleção brasileira era a atual campeão olímpica.

Deixei o meu medo de lado e apostei no sonho.

Voltei a jogar e depois de um jogo de Liga Mundial no Mineirinho, em Belo Horizonte, o Zé Roberto confirmou minha convocação. Chegar na Vila Olímpica foi a primeira emoção. Na abertura, quando eu vi o Mohamed Ali segurando a tocha com Parkinson, o emocional desabou.

Eu fiz de tudo por aquele momento. Treinei até o limite, operei o joelho e venci o medo da quase amputação. Nunca fraquejei.

Nem precisando jogar com uma proteção de neoprene na mão. A gente foi eliminado nas quartas de final pela Iugoslávia. Terminamos em quinto.

Fiquei na seleção até 1998. Eu tinha passe e técnica de bloqueio muito bons, mas o voleibol criou o líbero e surgiram centrais mais altos (eu tenho 1,98m) e mais fortes. Também fui atrapalhado pela volta das lesões no joelho esquerdo. Terminei minha carreira sem cartilagem, sem menisco e com o joelho torto. Foram três cirurgias.

Para você ter uma ideia, eu jogava em Bento Gonçalves (RS) e subi a escada da arquibancada para cumprimentar um amigo. Ouvi um "tec" que me levou para o médico e ao diagnóstico. "Vai ter que operar de novo".

De qualquer maneira, tive uma carreira boa. Conquistei títulos e joguei até 2008. Quando parei, fui chamado para ser assistente técnico na Cimed. Minha tarefa era cuidar do bloqueio e o sistema de defesa do time. Fomos tricampeões brasileiros. O gestor do projeto era o Renan. Passada mais de uma década, ele assumiu a seleção brasileira substituindo o Bernardinho e me chamou para fazer o mesmo trabalho na equipe.

É o tipo de convite que você não nega, mas aceitar me deixou sem tempo livre. Termino minha temporada no clube que dirijo no Qatar e me apresento no dia seguinte à seleção.

Mas todo esportista de alto rendimento sabe que vai precisar abrir mão de alguma coisa. Não falo de feriados, festas ou férias. Falo de coisas maiores, imensas. Eu, infelizmente, tive que abrir mão de acompanhar o crescimento da minha filha.

Ela sofria bullying na escola por ser gordinha e eu estava em outro país. Não estive presente neste e em muitos outros momentos que a minha filha precisou. Desde 2011, moro fora do Brasil e me separei da mãe dela no ano seguinte.

Mês passado, a gente teve uma conversa. Ela chorava. Eu repetia que compreendo a frustração dela. Sinto a mesma coisa... Eu também chorava. É difícil ser um bom pai, bom atleta, bom técnico, tudo ao mesmo tempo.

A Isabela brinca comigo, mas acho que brinca falando sério: "Pai, eu consigo te perdoar, só não consigo esquecer".

Às vezes, nossa vida é dura. Queremos correr atrás dos nossos sonhos, tentamos ser perfeitos, mas a gente não consegue. Sempre aparece uma falha.

A questão com minha filha não é ter um relacionamento ruim, nosso convívio é maravilhoso. O problema é ter pouco convívio. Quando ela era menor, não aceitava. Chorava, ficava brava comigo.

Hoje, a Isabela tem 21 anos e a idade ajuda a compreender minhas decisões. O mercado de técnico no Brasil é restrito. Quatro, cinco profissionais ganham o suficiente para viver e o resto tem que pagar para trabalhar.

O mercado que surgiu para mim foi o árabe. Para não ficar desempregado, saí do país. Ainda assim, é difícil escutar a história de carência afetiva de sua própria filha.

Ela faz fisioterapia e já conversamos de se especializar na área esportiva e ficarmos próximos.

Mas agora a Isabela está morando em Brasília, com namorado e quase casando. Nos percalços, cada um vai trilhando sua vida e fazendo o que gosta.

O caminho que eu escolhi me aproxima de mais uma Olimpíada. Desta vez, como assistente técnico. E final de junho eu estive a frente do time que venceu a Liga das Nações de Voleibol. Estava no posto por causa de uma situação extrema.

O Renan, que é o treinador titular, foi diagnosticado com covid na metade abril. Ele passou muito mal. Ficou 36 dias internado, precisou ser intubado duas vezes e até traqueostomia os médicos fizeram [traqueostomia é a abertura de um orifício no pescoço para ligar a traqueia ao respirador].

Encontrei o Renan no final de maio logo depois da alta hospitalar. Ele estava magro e bastante fragilizado. Durante o tratamento, a gente da seleção talvez não tenha tido a real noção do estava se passando. Só depois que ele contou pessoalmente o que aconteceu é que tivemos a dimensão de que quase o perdemos.

Esta situação é daquelas que pode unir ou desestabilizar uma equipe. Saímos fortalecidos porque essa seleção tem uns pilares muito fortes. O Renan estava lutando e deu o melhor dele. A gente também tinha que dar o melhor nosso na preparação olímpica. Não se esperava menos que isto de todo mundo.

Acho que é o karma da seleção brasileira sempre treinar mais duro, levar mais a sério. Esta filosofia já está tatuada dentro de cada um. Tem dias que a gente treina às 6h30.

As pessoas que chegam ao time veem o Bruno, o Lucão, estes caras mais experientes e campeões olímpicos, dando o gás. Este cara mais novo pensa: "Vou ter que dar o meu melhor também."

Não tem outra opção, é a seleção natural. Ficou morcegando, tá fora.

Eu acho que eu dei uma clara e real situação para vocês do comprometimento necessário. Abri mão do relacionamento com minha filha, que era a coisa que eu mais queria na minha vida, pelo voleibol. E vou cavar meu poço até achar meu último diamante. Não vou parar até achar.

Auxiliar técnico da comissão de Renan Dal Zotto, Carlos Schwanke comandou o Brasil na Liga das Nações. O Brasil venceu o torneio, criado em 2018, pela primeira vez. Renan ficou 36 dias na UTI por causa de covid-19 e voltou a treinar a equipe há apenas 12 dias. Juntos, os dois estão a caminho do Japão para a aclimatação olímpica. O Brasil estreia nos Jogos de Tóquio no dia 24 de julho, contra a Tunísia.

Aos 40 anos, Carol Gattaz chega à sua primeira Olimpíada após superar corte traumático nas Olimpíadas de 2008.

Mudança de hábito: técnico troca pentacampeão brasileiro pela seleção do Quênia nas Olimpíadas de Tóquio.

Hamamatsu: maior centro de aclimatação do Brasil vive dias de tensão com chegada da delegação para Olimpíada.

Conexão Tóquio: descendente de japoneses escravizados no Brasil Katsuhico Nakaya, vai à nona Olimpíada.

Publicado em 14 de julho de 2021.

Depoimento: Carlos Shwanke; Edição: Bruno Doro; Roteiro: Beatriz Cesarini, Felipe Pereira;